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Este artigo tem como objetivo explicar a Invasão Portuguesa em Caiena, os motivos que levaram a Invasão e suas consequências para o Império Português, Brasil, Guiana Francesa e a América do Sul.

Introdução

A disputa por territórios na América do Sul entre Portugal e França, aconteceu por diversos séculos. O primeiro conflito entre as duas Nações, teve início no século XVI, quando os franceses chegaram ao que é hoje a cidade do Rio de Janeiro, e fundaram a chamada França Antártica.

Esse controle na cidade do Rio de Janeiro não durou muito tempo, os franceses acabaram derrotados e expulsos da região. Os franceses, que desde o início foram uma das Nações europeias a não aceitarem o Tratado de Tordesilhas, anos depois invadiu o Maranhão, mas como aconteceu no Rio de Janeiro, eles acabaram expulsos.

Em relação a Guiana Francesa, a disputa entre os dois Países europeus, acontece devido a uma disputa de delimitação das fronteiras entre o que seria o território do Brasil e da Guiana Francesa, desde o século XVII.

A Invasão do Império Português ao território da Guiana Francesa está dentro do contexto das invasões Napoleônicas. Após um período de grandes vitórias pelo exército de Napoleão Bonaparte, as Forças Militares Francesas sofrem uma grande derrota na Batalha de Trafalgar (1805). Bonaparte tinha como objetivo diminuir o poderio militar e econômico da Inglaterra e, consequentemente, acabar com a ameaça que os ingleses impunham sobre as pretensões francesas de expansão europeia.

Com a derrota dos franceses na Batalha de Trafalgar e a perda de boa parte da marinha, Napoleão iniciou um processo de prejudicar a economia inglesa criando o Bloqueio Continental (1806-1807), que tinha como finalidade a proibição de qualquer tipo de comércio feito com a Inglaterra.

Mapa da Europa no período do Bloqueio Continental

Nesse sentido, a situação de Portugal fica complicada. Os portugueses que tinham na Inglaterra seu principal parceiro comercial dentro da Europa, eram obrigados a tomar uma decisão: manter suas relações comerciais com a Inglaterra e correr o risco de uma invasão francesa ou acatar o Bloqueio Continental e prejudicar-se economicamente. Os lusos escolheram a primeira opção e acabaram, portanto, precisando transferir a Corte Portuguesa para o Brasil antes que as tropas francesas invadissem o Brasil, como estava acontecendo com outras nações europeias e posteriormente à invasão a Portugal.

A vinda dos portugueses para o Brasil, não era algo totalmente inesperado, em outras oportunidades essa possibilidade já tinha sido cogitada, entretanto, com a ameaça de invasão a Corte Portuguesa foi forçada a planejar imediatamente a transferência para a sua Colônia (1807-1808). Essa possibilidade era uma condição para o Império Português continuar sob o domínio da Dinastia dos Bragança. A Família Real acabaria perdendo o controle sob o território português, mas com a transferência da Corte, o domínio sobre as colônias ainda estava mantido.

A chegada da Corte Portuguesa ao Brasil possibilitou não somente um desenvolvimento ao território, mas também o seu crescimento. No período que D. João VI governou a partir do Rio de Janeiro, a região aumentou de tamanho com as conquistas da Cisplatina, conhecida atualmente como Uruguai, e da Guiana Francesa.

Esses territórios foram anexados ao Império Português como uma resposta à invasão Napoleônica a Portugal, Guiana Francesa, colônia da Franca, e a aliança da Espanha com os franceses, Cisplatina, colônia da Espanha.

A situação na Guiana Francesa tem outras características e não somente responder a invasão Napoleônica, como será analisado adiante, mas com a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, a anexação do território foi oportunamente concretizada.

Motivos para Invasão

A chegada da Corte portuguesa ao Brasil iniciou um processo de mudanças nas relações do Império Português com a França. A possibilidade de invadir a Guiana Francesa acontece dentro desse contexto. Os motivos que levaram à Guerra foram: uma forma de retaliação aos franceses pela invasão a Portugal e concretizar definitivamente as fronteiras entre o Brasil e a Guiana Francesa.

A questão em relação à retaliação é analisada por Arno Wehling da seguinte forma: “Sem dúvida a tese da retaliação é inteiramente plausível. Outras formas de retaliar eram viáveis e foram adotadas, como a autorização de corso contra as embarcações francesas e o bloqueio anglo-luso a qualquer tentativa francesa de penetração militar ou política no Rio da Prata, como ocorreu. Mas é evidente que a conquista e dominação da Guiana era a possibilidade mais atraente”.

O segundo motivo para invasão à Guiana, está dentro de um contexto Geopolítico que teve início com o governo no Brasil tomando duas medidas antes mesmo da invasão ao território da Guiana Francesa: o primeiro foi declarar nulos os Tratados anteriores com os franceses e, o segundo foi uma declaração formal de Guerra a Nação Francesa.

Todos os tratados assinados com a França durante o período da Revolução tinham em comum a tentativa de resolver a questão do limite territorial entre as terras brasileiras e da Guiana Francesa. O Tratado anterior, que delimitava a questão era o Tratado de Utrecht de 1713 que determinava no art.8º: “o limite pelo Rio Oiapoque ou de Vicente Pinzón”.

Demarcação das fronteiras entre o território do Brasil e da Guiana Francesa pelo Tratado de Utrecht

Em 1º de Maio de 1808, o Príncipe Regente Dom João lança um documento rompendo todos os Acordos Diplomáticos com a França no período da Revolução. Os Tratados, segundo Arno Wehling eram o: “Tratado de Paris, que Oliveira Lima denominou de Talleyrand-Araujo, numa referência aos negociadores principais – o político francês e o diplomata português, futuro conde da Barca – de 10 de agosto de 1797, arbitrou-se o limite pelo Rio Calcione, a meio caminho entre o Oiapoque e o Araguari, denominando-o “Vicente Pinzón”. Em 6 de junho de 1801 o Tratado de Badajós forçou o limite mais para o sul, no Araguari. No mesmo ano, em 29 de setembro, a diplomacia do Consulado, pelo Tratado de Madri, introduziu uma cláusula definitivamente leonina, fixando a linha no Rio Carapanatuba, pouco ao Norte de Macapá, o que praticamente tiraria o Amapá do domínio português e duplicaria o território da Guiana. Pelo Tratado de Amiens, de 27 de março de 1802, o limite pretendido pela França retornou ao Araguari.”

Esse motivo é inteiramente aceitável, uma vez que os objetivos do Império Português não eram a conquista definitiva da Guiana Francesa e sim conquistar uma melhor vantagem para uma futura negociação diplomática em relação ao assunto. O Congresso de Viena (1815), após a derrota de Napoleão Bonaparte, exemplifica essa ideia, onde os portugueses não demonstraram grandes esforços para a manutenção do território ao Império Português.

No mesmo período que as medidas estavam sendo adotadas por D. João no Brasil, o representante do Império, Dom Domingos de Souza Coutinho, buscava com os ingleses um apoio militar para uma possível guerra na Guiana Francesa. O que foi rapidamente acordado entre as duas Nações.

Guerra de Caiena

A Conquista de Caiena, como foi dito anteriormente, foi concretizada principalmente por causa da invasão francesa a Portugal e a vinda da Família Real para o Brasil. No entanto, existiram outros fatores que contribuíram para essa invasão, como é colocado por Ivete Machado de Miranda Pereira: “Entre elas, o fato da guerra na Europa ocupar a França que não poderia se dar o luxo de deslocar forças para socorrer a colônia sul-americana e pela ajuda da Inglaterra, que tinha colocado uma esquadra à disposição de D. João. Outro fator importante era ainda a considerável presença da aliada na área. Além da Guiana Inglesa, a Inglaterra havia invadido a Guiana Holandesa em 1804, Curaçao em 1807, e a poderosa frota inglesa comandada pelo almirante Cochrane estava nas Antilhas pronta a atacar a Martinica e Guadalupe, o que aconteceria em fevereiro de 1809.”

Imediatamente a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, D. João nomeia Dom Rodrigo de Souza Coutinho para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, que não perde tempo, e dias após a sua nomeação inicia a troca de correspondência com o governante da região do Grão-Pará, José Narciso de Magalhães e Menezes, para discutir o planejamento para a invasão da Guiana Francesa.

Poucos meses após a chegada da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro a expedição comandada pelo Tenente-Coronel Manuel Marques D’Elvas Portugal, saiu da cidade de Belém em direção à Guiana Francesa.

Desembarque das Forças Brasileiras em Caiena

As forças enviadas para o combate foram, segundo Cláudio Skôra Rosty: “duas Companhias de Granadeiros e duas Companhias de Caçadores do 1º e 3º Regimentos de Linha (Estremoz) e uma Bateria de Artilharia com três peças de seis polegadas… com cerca de 450 homens… Em Chaves, antes de prosseguir viagem, para a Ilha de Caviana, foi reforçado com um contingente de colonos e indígenas. De Caviana seguiu para a Foz do Araguari. Dobrou o Cabo Norte, atingiu o Rio Cunani, e estanciou em Caciporé à espera de reforços. A 3 de outubro, aportou em Belém a Escuna Confiance, navio de guerra inglês, da Esquadra do Almirante Sidney Smith, comandada pelo seu sobrinho, Capitão James Lucas Yeo. O Governador Narciso enviou reforços para Marques de 350 soldados do Regimento de Estremoz, comandados pelo Major Palmeirim. Narciso esperava, ainda, a chegada de dois navios de guerra portugueses com 18 canhões cada um, comandados por Luís da Cunha Moreira. Esses navios, que traziam do Rio de Janeiro uma tropa de fuzileiros-marinheiros, partiram de Belém a 22 de outubro, integrando a esquadra de James Lucas. Em 29 de novembro, os fuzileiros-marinheiros chegaram ao ponto de encontro, Foz do Rio Caciporé, onde a flotilha de Marques os esperava. A Força Expedicionária, agora completa, dobrou o Cabo Orange, indo ancorar na Foz do Oiapoque.Eram, ao todo, 800 soldados e 300 fuzileiros navais, embarcados para o Combate.”

Oficial da Brigada Real da Marinha

As tropas à disposição do governo da Guiana Francesa, ainda segundo Cláudio Skôra Rosty, eram: “511 militares profissionais, 200 milicianos e uma centena de escravos armados. Ao todo, em torno de 900 homens.”

Com o controle da região pelos portugueses não restava ao Governador da Guiana Francesa, discutir a rendição, como é retratada por Ivete Machado de Miranda Pereira: “Assim, o comandante Manoel Marques enviou emissários ao governador da colônia francesa, propondo sua rendição, como forma de se evitar derramamento de sangue, pois podiam entrar na capital “V. Exa. queira ou não”… No dia 11, a capitulação foi discutida entre o governador Victor Hugues, o comandante português Manoel Marques, e o capitão James Lucas Yeo… A capitulação foi assinada no dia 12, em três versões – francês, português e inglês.”

Monumento comemorativo ao Centenário da anexação do Oiapoque

Conclusão

A questão sobre a fronteira entre o território do Brasil e Guiana Francesa, não teve um fim com a invasão da Guiana Francesa pelo Império Português. Essa situação só foi definitivamente resolvida no final do século XIX. Mas, após a conquista da região pelos portugueses, os rumos nas negociações acabaram sendo outro, os lusos obtiveram uma melhor condição nas negociações futuras em relação ao local em disputa.

Essa visão fica evidente já no Congresso de Viena (1815), quando os representantes franceses pretenderam reconquistar, através da diplomacia, os territórios que tinham sido acordados no período da Revolução (Tratado de 1797), e que tinham sido perdidos na invasão à Caiena. A tentativa francesa foi amplamente recusada pelos representantes portugueses e prevaleceu no referido Congresso a posição portuguesa, que manteve o entendimento que já existia no Art.8 do Tratado de Utrecht.

A Guiana Francesa é definitivamente devolvida em 1817, quando ficaram acordados as seguintes situações, como é descrito por Artur Guimarães de Araújo Jorge: “(…) o governo português comprometeu-se a restituir, dentro de três meses, o território da Guiana Francesa até o rio Oiapoque; nele também se determinou a nomeação de uma comissão mista para proceder à fixação definitiva dos seus limites ‘conforme o sentido do artigo 8º do Tratado de Utrecht e as estipulações do Ato do Congresso de Viena”

Medalha da Tomada de Caiena. Acredita-se ter sido ela a primeira medalha de campanha portuguesa.

A invasão à Caiena trouxe outras contribuições, além da territorial, para o Brasil, como é analisado por Cláudio Skôra Rosty, a primeira delas foi: “garantir posse do estuário do Rio Amazonas e da livre navegação até os Andes, garantindo a preservação da integridade da parte Norte do território brasileiro”, a segunda foi a: “Criação do Corpo de Fuzileiros Navais e Criação da 2ª Bateria do 32º Grupo de Artilharia de Campanha (Bateria Caiena)”.

Homenagem a Primeira Artilharia de Campanha do Brasil – Inscrição na manga do uniforme histórico

A disputa territorial na região ainda permaneceu por muitos anos. A devolução do País não possibilitou a demarcação definitiva da fronteira entre os dois territórios, e nenhuma das Nações envolvidas (Portugal/Brasil e França), conseguiram chegar a um acordo e o debate sobre onde permaneceria a fronteira ganhou novos capítulos com a invasão francesa no Amapá em 1895, quando novamente as Forças Militares Brasileiras conseguiram derrotar os franceses da região, como aconteceu nos séculos XVI e XVII.

A questão só foi definitivamente resolvida quando o Brasil submeteu à Comissão de Arbitragem, na Suíça, em 1897, e o resultado saiu três anos depois, favoravelmente ao Brasil, mantendo juridicamente as fronteiras que já tinham sido demarcadas desde o Tratado de Utrecht.

O episódio sobre a disputa territorial entre os territórios do Brasil e da Guiana Francesa, que terminou em 1900, foi um período de amplo desenvolvimento na diplomacia brasileira que teve na figura do Barão do Rio Branco, o seu grande expoente. Seus feitos e ganhos para a Nação irão permanecer ainda em diversos acontecimentos que marcaram o País, no início do século XX, como um novo ator na política internacional.

Rafael Requena

Autor Rafael Requena

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