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Desde o século XIX quando o Japão Imperial iniciou um processo de desenvolvimento tecnológico, industrial e militar, conhecido como Era Meiji, a Nação acabou se envolvendo em diversos conflitos militares até a Segunda Guerra Mundial, como por exemplo: a Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894-1895), que desencadeou todos os conflitos do Japão com a China até a Segunda Guerra Mundial e uma grande expansão Japonesa na região; Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), conflito que teve como motivação a disputa pelo controle de regiões; Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Guerra onde os Japoneses lutaram do lado da Tríplice Entente, e dentro desse contexto, conseguiu expandir seus territórios principalmente em áreas que estavam sobre o controle da Alemanha; Invasão na Manchúria (1931), acontecimento que explodiu uma estrada de Ferro, conhecido como Incidente de Mukden, e que foi usado como pretexto pelos Japoneses para a conquista da Manchúria; e finalmente a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945), conflito que teve início após o Incidente na Ponte Marco Polo e que desencadeou uma Guerra do Japão com a China, que somente teve fim com a Segunda Guerra Mundial.

No século XX com os conflitos que participou, o Japão Imperial teve novamente um grande crescimento econômico, militar e territorial. Na década de 1930, teve como grande adversário a China, foi nesse País que os japoneses tiveram suas grandes disputas, como a Conquista da Manchúria e Segunda Guerra Sino-Japonesa. Dentro desse contexto irá surgir dentro dos territórios conquistados pelos japoneses na China a Unidade 731, na região de Harbin, no nordeste da China.

Mapa da Região da China onde ficava a Unidade 731 (Harbin em destaque) sob o controle do Japão (Década de 1930 e 1940)

A Unidade 731 usada pelos japoneses, assim como Auschwitz pela Alemanha, eram locais usados na Segunda Guerra Mundial para cometerem diversas crimes de guerra. Lugares como esses foram utilizados por diversas Nações e em muitas regiões. Em nome da ciência e do seu desenvolvimento foram cometidos múltiplos experimentos que ocasionaram a morte de uma grande quantidade de indivíduos.

Esta unidade secreta do Exercito Japonês desenvolvia pesquisas para uma possível guerra biológica e química, e também experimentos envolvendo seres humanos. Grande parte das cobaias utilizadas nestes experimentos eram chineses, mas havia também prisioneiros de guerra provenientes de outras nações. O General Shiro Ishii até o final da Segunda Guerra Mundial era o comandante responsável pela unidade que era conhecida oficialmente como o Departamento de Prevenção de Epidemia e Purificação da Água.

O General Shiro Ishi era um cirurgião formado pela faculdade de medicina na Universidade Imperial de Kyoto, e que posteriormente entrou para o Exército Imperial Japonês, obtendo o posto de Cirurgião do Exército. No final da década 1920, conseguiu autorização e foi estudar na Europa armas biológicas e guerra química. Quando início a guerra contra a China foi nomeado chefe da Unidade 731.

General Shiro Ishii, comandante responsável pela Unidade 731

Auschwitz e os experimentos Alemães

A Alemanha durante o Nazismo criou e gerenciou diversos campos de concentração espalhados pela Europa, alguns deles serviram para trabalhos forçados, outros acabaram se tornando campos de extermínio. Auschwitz se transformou em um símbolo do Holocausto e dos crimes de guerra cometidos pela Alemanha Hitlerista.

Foto atual da entrada principal do Campo de Concentração de Auschwitz, em Oświęcim, Polônia.

Neste complexo, que tinha mais de um campo de concentração, era normal a presença de médicos que inicialmente tinham como tarefa fazer a triagem dos prisioneiros qualificando-os como aptos ou inaptos para o trabalho. A decisão era feita já no desembarque dos trens que realizavam o transporte para os Campos de Concentração. A escolha em relação aos prisioneiros poderia acontecer a qualquer momento, sendo estabelecido um equilíbrio entre aqueles que iam para o trabalho e aqueles que acabariam fazendo parte do programa de experimentos.

As mortes dentro dos Campos de Concentração ocorriam através das mais variadas formas. Em Auschwitz, afirma Miklos Nyiszli: “As experiências podem ainda ser agrupadas em subgrupos por temas, como genética, exemplificada pelo estudo de fenômenos em gêmeos, por Josef Mengele. Na farmacologia, um exemplo era o teste em prisioneiros de drogas enviadas por indústrias farmacêuticas alemãs, executado por Helmuth Vetter. No campo da esterilização, com clara finalidade de alimentar a eugenia nazista, mulheres eram submetidas a irritantes químicos intrauterinos, como executou por Carl Clauberg, ou havia a exposição aos raios-x de homens e mulheres, como feito por Horst Schumann. Nas experimentações em nutrição, Johann Paul Kremer ficou conhecido por privar prisioneiros de alimentação e observar fenômenos orgânicos como resultado da fome.

Seleção de prisioneiros na rampa de desembarque de Auschwitz, 27 de Maio de 1944

O pesquisador Levi Primo, destaca ainda em relação aos Campos de Concentração: “A respeito das condições médico-sanitárias do campo… Nos barracões de prisioneiros, as péssimas condições de saúde estavam atreladas a diversos elementos como a ausência de janelas e isolamento térmico, uso de roupas desprotegidas ao frio, superlotação de prisioneiros e compartilhamento de beliches, carência de banheiros (havia apenas baldes), fome por longos períodos de tempo ou alimentação com comida de pouco valor nutricional e péssimo estado de conservação. Os prisioneiros comumente tinham diarreia, eram enfraquecidos pela desidratação e desnutrição, facilmente sendo vítimas de doenças contagiosas que espalhavam pelo campo”.

Com o final da Segunda Guerra Mundial, alguns médicos acabaram presos e foram levados a julgamento no que ficou conhecido como Tribunal de Nuremberg. Muitos deles acabaram fugindo como explicou Andrew Ivy, representante da Associação Médica Americana no Tribunal de Nuremberg: “pelo menos setenta participaram dos experimentos com seres humanos, sendo que apenas vinte foram processados, todos de menor expressão. Todos os demais já haviam fugido ou sido recrutados para trabalharem em outros países”. Já durante a invasão aliada dentro do território alemão, o mais famoso deles, Josef Mengele, oficial da SS conhecido como o Anjo da Morte, tinha três opções: suicídio, prisão ou fuga.

Depois de anos de anonimato e fugas pela Europa, Mengele fugiu para a América do Sul em 1949 utilizando o nome falso de “Helmut Gregor“.  Ele acabou por falecer por afogamento em 1979, possivelmente em decorrência de um derrame, na praia de Bertioga no litoral de São Paulo. Sua identidade seria revelada somente em 1985 após a exumação de seus restos mortais. No ano de 1992, um exame de DNA confirmou a descoberta. A análise utilizou uma amostra de sangue de Rolf, filho do carrasco, e foi conduzida pelo geneticista britânico Alec John Jeffreys.

Josef Mengele, um dos responsáveis pelos experimentos em Auschwitz

Unidade 731

Desde a década de 1930, territórios chineses vinham sendo conquistados  e ocupados pelos Japoneses. Naquela época, a China passava por diversos acontecimentos, entre eles, uma disputa pelo poder entre os Nacionalistas e Comunistas  numa difícil crise alimentícia que provocava a morte de diversos cidadãos.

Dentro desse contexto, o Japão cria a Unidade 731, que inicialmente foi vista como uma agência de pesquisa e saúde pública. O objetivo a princípio era construir um centro de pesquisas para investigar doenças e ferimentos de soldados em combate. Os próprios militares se voluntariavam para o estudo, porém com o passar do conflito, os responsáveis pelo local passaram a usar os prisioneiros, e também práticas de vivissecção (o ato de observar lesões e doenças em pacientes vivos). Se tornando um local para a criação e desenvolvimento de armas químicas, biológicas, estudos sobre hipotermia, vivissecção, como citado anteriormente, experimentos com o uso de armas convencionais, germes, gangrena e sífilis.

Entrada atual da Unidade 731

Nesse período a Unidade 731 acabou se revelando também como uma unidade de estudos para fins bélicos como armas químicas, também doenças e mudanças comportamentais provocados pelos experimentos, como explica Antony Beevor: “O complexo gigantesco, chefiado pelo general Ishii Shiro, mais tarde empregou uma equipe de 3 mil cientistas e doutores de universidades e escolas de medicina no Japão, e um total de 20 mil funcionários nos estabelecimentos subsidiários. Eles prepararam armas para espalhar a peste negra, tifo, antrax e cólera, e as testaram em mais de 3 mil prisioneiros chineses. Também fizeram experiências com antrax, gás mostarda e enregelamento em outras vítimas, às quais se referiam como maruta ou ‘troncos’. As cobaias humanas, cerca de seiscentas por ano, tinham sido detidas pelo Kempeitai na Manchúria e enviadas para a unidade”.

Experimentos na Unidade 731

Durante a Segunda Guerra Mundial os japoneses tentaram e utilizaram muitos de seus conhecimentos adquiridos com experimentos efetuados na Unidade 731 contra seus adversários, como é relatado pelo historiador Beevor: “Em 1939, durante a batalha Nomonhan contra as forças do Marechal Zhukov, a unidade espalhou patógenos do tifo nos rios, mas o efeito não foi registrado. Em 1940 e 1941, cascas de algodão e arroz contaminadas com peste negra foram despejadas de avião no centro da China. Em março de 1942, o Exército Imperial japonês planejou usar moscas da praga contra americanos e filipinos na península de Bataan, mas a rendição ocorreu antes. Mais tarde naquele ano, patógenos de tifo, peste e cólera foram borrifados na província de Chekiang em retaliação pelo primeiro ataque americano com bomba no Japão. Aparentemente, 1.700 soldados japoneses morreram na área, além de centenas de chineses… Um batalhão de guerra biológica foi enviado a Saipan antes do desembarque americano… Também havia planos, confiscados por fuzileiros navais em Kwajalein, de bombardear a Austrália e a Índia com armas biológicas, mas isto não chegou a ocorrer. Os japoneses também planejaram contaminar com cólera a ilha de Luzon, nas Filipinas, antes da invasão americana… A Marinha Imperial japonesa, em suas bases de Truk e Rabaul, fez experimentos com prisioneiros de guerra aliados, principalmente pilotos americanos, injetando-lhes sangue de vítimas de malária. Outros foram mortos em diferentes experimentos com injeções letais. Até abril de 1945, cerca de cem prisioneiros de guerra australianos — alguns doentes, outros sãos — foram usados em experiências com injeções desconhecidas. Na Manchúria, 1.485 prisioneiros americanos, britânicos, australianos e neozelandeses detidos em Mukden foram usados em uma variedade de experiências com patógenos.

Vítimas da Unidade 731

A Unidade 731 como também Auschwitz, não foram às únicas instalações usadas para cometer crimes de guerra utilizando seres humanos, houveram diversos locais utilizados tanto pelos Nazistas, como pelos Japoneses como indica Hermínio Martins: “a instalação não só de um grande centro, a chamada Unidade 731, mas também de uma dúzia de sucursais (laboratórios-fábricas epidemiológicos) sobretudo na Manchúria e na China”.

Conclusão

A Unidade 731 e outras instalações que tinham o mesmo propósito foram durante todo o período da guerra um dos centros de estudo e pesquisa japonês para observações e análises do comportamento do ser humano e de armas químicas e biológicas.

Todos os estudos resultantes destes experimentos, seja para fins bélicos ou não, foram utilizados pelos japoneses até o final do conflito e tiveram nesses centros de pesquisa, as apreciações dos grandes especialistas japoneses (cientistas e doutores) sobre os seus usos.

Com a derrota japonesa no final da Segunda Guerra Mundial, os crimes de guerra cometidos nas unidades de pesquisa japonesa, especialmente a Unidade 731, foram finalmente descobertos. As investigações sobre o que ocorria nesses locais foram iniciadas, porém, devido aos interesses dos EUA, que desejavam obter conhecimento sobre todos os estudos feitos, fizeram com que tudo o que ocorreu nessas instalações fossem ‘colocadas para debaixo do tapete’, como relata Antony Beevor: “Talvez o elemento mais chocante na história da Unidade 731 tenha sido a concordância de MacArthur, após a rendição japonesa, em fornecer imunidade a todos os envolvidos, inclusive o general Ishii. O acordo permitiu aos americanos obter os dados acumulados sobre os experimentos. Mesmo sabendo que prisioneiros aliados haviam morrido em virtude dos experimentos, MacArthur ordenou a suspensão das investigações.

Hideki Tojo (1884-1948), Primeiro ministro e General do Exército Imperial Japonês, sentenciado à morte por enforcamento durante o Tribunal de Tóquio. Foto de 1945.

Os soviéticos ainda insistiram para que as investigações continuassem, mas como explica Beevor, estas solicitações sobre a importância de investigações no caso da Unidade 731 foram amplamente recusadas: “Os pedidos soviéticos para processar Ishii e a sua equipe no tribunal de Crimes de Guerra de Tóquio foram firmemente rejeitados. Só alguns médicos que anestesiaram e dissecaram tripulações de bombardeiros americanos foram julgados, mas eles não tinham relação com a Unidade 731. Outros médicos militares japoneses fizeram vivissecções em centenas de prisioneiros chineses em diversos hospitais, mas nunca foram julgados. Os profissionais do Corpo Médico japonês demonstraram pouco respeito pela vida humana, pois se dispuseram a acatar ordens de usar os próprios “soldados incapacitados, com grande chance de recuperação […] com o pretexto de que eram inúteis para o Imperador”. Eles também ensinaram os soldados japoneses a cometer suicídio para não serem capturados.

Nas últimas décadas o assunto voltou a ser discutido quando famílias chinesas entraram com um pedido de indenização na justiça japonesa, como explica Claudio Julio Tognolli: “A Suprema Corte do Japão rejeitou pedido de indenização feito por parentes de vítimas de atrocidades cometidas pelo governo japonês em solo chinês nas décadas de 30 e 40 – que incluíam o uso de armas biológicas e um massacre praticado na cidade de Najing… O tribunal japonês manteve decisões de cortes inferiores, datadas de 1999, que rejeitaram os pedidos. Os chineses parentes das vítimas formam um grupo de 198 pessoas, que reivindicavam a soma de US$ 16 milhões pelas mortes ocorridas na província de Fujian. Das 198 pessoas, dez são sobreviventes do massacre. A ação botava a culpa dos massacres na chamada Unidade 731 do Exército Imperial, encarregada de usar armas biológicas contra a China.”

A Unidade 731 voltou a ser lembrada não somente na área jurídica, mas também na área cultural, em 2015, foi aberto ao público o Museu de Evidência dos Crimes de Guerra pela Unidade 731 do Exército Japonês, o local onde se encontra o Museu é a área principal da Unidade 731 em Harbin, como explica Jin Chengmin, o curador do Museu: “A área, incluindo um laboratório de bactéria e uma prisão usada para prender as pessoas para os experimentos biológicos, está sob um processo de limpeza que será concluído em outubro”, e em 2018 foi lançado o documentário 731 – How America Exploited Japanese Biological Weapons Crimes (731 – Como a América explorou os crimes com armas biológicas do Japão).

Capa do documentário 731 – How America Exploited Japanese Biological Weapons Crimes

Mesmo nos últimos anos com o assunto vindo à tona de diversas formas, ele ainda é pouco abordado pelos pesquisadores do tema, existem muitos documentos para serem abertos e, até o momento os familiares e os raros sobreviventes de diversas nacionalidades, esperam por justiça (indenizações e desculpas) pelo que sofreram no período.

Bibliografia

BEEVOR. Antony. A Segunda Guerra Mundial.1. ed. – Rio de Janeiro :Record, 2015.

GILBERT, Martin. A Segunda Guerra Mundial: os 2.174 dias que mudaram o mundo. 1. ed. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.

ALMEIDA, Victor Porfírio dos Santos. A Medicina nos campos de concentração de Auschwitz. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador, 2016.

MARTINS, Hermínio. Biotecnologia tanatocrática. Novos estud. – CEBRAP. 2006, nº.74. Disponível em: Link – Acessado: 28/02/2021

NASCIMENTO, Toni. A história da Unidade 731, a tenebrosa unidade de experimentos do Japão. Disponível em: Link – Acessado: 28/02/2021

TOGNOLLI, Claudio Julio. Chineses vítimas do governo japonês não conseguem indenização. Disponível em: Link – Acessado: 28/02/2021

Embaixada da China no Brasil. Disponível em: Link – Acessado: 28/02/2021

Rafael Requena

Autor Rafael Requena

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