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Este artigo tem como intuito analisar quem foram os soldados da borracha, que importância eles tiveram na Segunda Guerra Mundial e as consequências para esses soldados e para o Brasil na Guerra e após.

Introdução

O texto tem como proposta entender quem são esses Soldados da Borracha, brasileiros que tiveram papel importante no fornecimento de matérias-primas para os exércitos aliados na Segunda Guerra Mundial, antes mesmo do Brasil declarar Guerra aos países integrantes do Eixo, em agosto de 1942, o Brasil já se encontrava em negociações sobre a possibilidade do País participar do esforço de guerra ao lado dos Aliados.

O Brasil desde o final da década de 1930 vinha costurando diversos acordos com os EUA, e rompendo relações diplomáticas com a Alemanha. O Acordo de Washington, assinado em Março de 1942, foi o principal acontecimento para o Brasil integrar-se na Guerra ao lado dos Aliados, mesmo ainda não sendo um Estado Beligerante. No momento da assinatura do Acordo a Nação se responsabilizava pelo fornecimento de determinadas matérias-primas à indústria norte-americana.

O Brasil enviou por volta de 25.000 soldados para o teatro de operações no Mediterrâneo, mas mobilizou cerca de 55.000 pessoas para extração de matérias-primas, os Soldados da Borracha. Os Soldados da Borracha ganharam importância na Guerra após as Forças Armadas Japonesas terem conquistado boa parte do Sudeste Asiático, desencadeando com isso que o Japão conseguisse controlar boa parte das produções de matérias-primas existentes na região, principalmente a borracha que era essencial para às tropas, que às utilizavam para calçados, botes infláveis, pneus dos carros, mangueiras automotivas, material isolante, entre uma série de outras utilidades da borracha.

Os EUA que eram um dos principais consumidores da borracha no Sudeste Asiático tiveram uma grande perda com a expansão japonesa, como é explicado, por Seth Garfield: “os EUA perderam o acesso a 92 por cento de seu suprimento de borracha… Também era fundamental equipar os pneus de mais de 20 milhões de automóveis civis nos Estados Unidos. Embora em 1940 os Estados Unidos usassem tanta borracha quanto o resto do mundo combinado… Diante de um déficit projetado de 211.000 toneladas para uso militar dos EUA em janeiro de 1944 (além das 800.000 toneladas de borracha para pneus necessárias para automóveis civis), o Comitê de Pesquisa de Borracha do Presidente Franklin D. Roosevelt endossou o desenvolvimento governamental de fábricas de borracha sintética. Mas o atraso na produção de borracha sintética e sua inadequação para veículos pesados e pneus de avião levaram o governo dos EUA a negociar um acordo com o Brasil”

Os Soldados da Borracha foram um dos responsáveis pela manutenção da indústria bélica dos Aliados se manterem competitivas no enfrentamento com o Eixo, principalmente os alemães. Essas pessoas foram recrutadas para trabalhar na extração do látex com a promessa de que conseguiriam obter uma boa condição de vida, porém muitos acabaram morrendo devido às péssimas condições em que foram submetidos.

Decisão de criar os soldados da borracha

A Borracha foi uma matéria prima que tinha tido sua importância na economia do Brasil, no final do século XIX e início do século XX. A Borracha teve um grande crescimento comercial, era o período conhecido como o “Ciclo da Borracha”, esse período começou a entrar em decadência na década de 1910, quando o País começou a ter concorrência da extração do produto pelos asiáticos, nesse período os produtores asiáticos conseguiram produzir com custos menores e, consequentemente, o Brasil começou a perder mercado.

Com o início da Segunda Guerra Mundial o Japão começou a conquista de territórios por todo o Continente Asiático, e foi nesse contexto, que os países que integravam os Aliados começaram a ter dificuldades em obter borracha para seus produtos militares, necessitando de um novo parceiro comercial que pudesse suprir as necessidades da produção da borracha.

O Brasil, em 1942, assina um Tratado Militar e Comercial com os EUA, o Acordo de Washington, que tem como uma das medidas, o compromisso do Brasil em produzir e fornecer borracha aos EUA. Como explica Isabel Cristina Martins Guillen: “os Acordos de Washington previam ajuda técnica e financeira dos Estados Unidos ao Brasil durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em troca de uma série de matérias-primas estratégicas, tais como a borracha e alguns minerais, os Estados Unidos forneceriam ao Brasil material bélico, financiamento para programas de saneamentos (Vale do Rio Doce e Amazônia) e abastecimento alimentar, dentre outros.” O pesquisador Wolney Oliveira afirmou que: “Os Estados Unidos pagaram à vista 2 milhões de dólares e mais 100 dólares por soldado ao governo brasileiro. Dinheiro que nunca chegou aos trabalhadores”

Propaganda criada para mostrar a importância de cada grupo para a vitória do Brasil na Segunda Guerra Mundial, pintado por Jean Pierre Chabloz

Após esse acordo o Brasil inicia uma campanha conhecida como a “Batalha da Borracha” com o objetivo de estimular a participação da população do País. O Governo Brasileiro após propagandas, promessas de incentivos governamentais e após uma seca que aconteceu no Nordeste no mesmo ano, conseguiu reunir cerda de 55.00 trabalhadores, em grande parte, nordestinos, para trabalhar na extração da borracha.

Propaganda criada para estimular a ida de trabalhadores para Amazônia, pintado por Jean Pierre Chabloz

A Vida desses soldados da borracha

Os trabalhadores acreditavam que conseguiriam ter uma vida melhor, o Estado prometia um plano de colonização da região, como explica Isabel Cristina Martins Guillen: “apresentavam a campanha como uma solução para a questão dos camponeses nordestinos, que além de ganharem dinheiro, teriam facilidade para conseguir terras. Para tanto, lançaram mão, discursivamente, da “Marcha para o Oeste”, e a “Batalha da Borracha” passou a fazer parte da campanha bandeirante que visava integrar os sertões ao corpo da Nação.”

Antes de seguirem rumo a Amazônia os trabalhadores precisavam passar por um treinamento preparatório para as atividades, com exercícios físicos e instruções de como extrair o látex. Após essa primeira etapa, os trabalhadores recebiam os materiais básicos para o trabalho na região, como é ilustrado por Gilson Laone Pereira: “Dentro dessas condições de recrutamento, os alistados recebiam um kit básico para os trabalhos e para sobrevivência, composto de uma calça de mescla azul, uma blusa de morim branco, chapéu de palha, um par de alparcatas de rabicho, uma caneca de flandres, um prato fundo, um talher, uma rede, uma carteira de cigarros Colomy e um saco de estopa. De suas regiões, eles se concentravam em Fortaleza, de onde embarcavam em navio em direção a Manaus.”

Imagem que retrata a viagem dos trabalhadores para a Amazônia

A promessa de uma vida melhor para esses trabalhadores, inicialmente era interessante, como descreve Isabel Cristina Martins Guillen: “o migrante tinha alimentação e vestuário gratuitos, além de assistência médica desde o momento do alistamento, em que somente eram recrutados aqueles que passavam pela inspeção médica. Prometia-se auxílio monetário para as famílias dos trabalhadores que migravam e o recrutamento também previa a assinatura de uma espécie de termo de responsabilidade, nos quais, previam assistência ao migrante na Amazônia.”

Esse momento de conquistas para aqueles que iriam explorar a borracha, porém, acabava no momento que iniciava a viagem para a região amazônica, como é relatado por Diego Antonelli: “Os soldados da borracha já chegavam aos seringais devendo aos donos da terra. Desde o transporte até o alimento era cobrado. O “sistema de aviamento” mantinha o trabalhador preso por meio de uma dívida interminável, que crescia dia após dia. Tudo que se recebia no seringal era cobrado. Mantimentos, ferramentas, tigelas, roupas, armas, munição, remédios, tudo enfim era anotado na sua conta corrente e o preço era cinco vezes maior que o normal. No fim da safra, a produção de borracha de cada seringueiro era abatida da dívida. Mas o valor de sua produção era, quase sempre, considerado inferior à quantia devida.”

Os trabalhadores que tinham sido enviados para a região enfrentaram não somente dificuldades em relação a questões financeiras, mas muitos deles estavam acostumados com o clima do Nordeste Brasileiro, e quando chegaram à Amazônia tiveram de adaptar-se a uma nova realidade dentro da floresta, outro problema foi à necessidade de aprender a defender-se de animais perigosos nativos da região.

Mas os principais problemas foram às doenças como a Malária, os trabalhadores viviam em condições muito complicadas como explica Pedro Martinello: “os soldados da borracha encontravam-se em péssima situação, pois haviam recebido somente uma rede para dormir, e como a transmissão da maioria das doenças desta região se dá por meio da picada de mosquitos, não lhes restava muita proteção sob a cobertura de palhas que geralmente eles construíam como abrigo. “E pensar que o número de mortes por malária em Manaus era no mínimo de um por dia…”

Acampamento dos soldados da borracha na Amazônia

Com todo esse retrospecto que existia em relação a esses trabalhadores, as pessoas que fizeram parte dessa situação ficaram conhecidas como “soldados da borracha”, inclusive devido ao grande número de mortes no local, muitos pesquisadores compararam os riscos que existiam com os enfrentados pelos integrantes da FEB, como analisa Renata Baars: “pelo alto índice de mortalidade que se verificou entre esses trabalhadores, reportado em cerca da metade do contingente que foi enviado à selva para extração da borracha, é inegável que o risco a que se submeteram é semelhante ao do soldado que foi para frente de batalha na Segunda Guerra Mundial.”

Documentário sobre os Soldados da Borracha

Conclusão

A Segunda Guerra Mundial motivou não só o surgimento da Força Expedicionária Brasileira (FEB), como um grande esforço de Guerra no País, com os Soldados da Borracha. Os acordos políticos e econômicos provocaram a necessidade do surgimento de um agrupamento de trabalhadores na floresta para a extração da borracha, produto que era essencial nos materiais utilizados pelos Aliados nos conflitos.

Os soldados da borracha foram utilizados pelo Governo Brasileiro como parte do Acordo de Washington, para resolver tantos os problemas brasileiros, como o financiamento dos EUA ao País, quanto os problemas políticos, causados pelas dificuldades de melhorar a vida da população que enfrentava as secas no Nordeste, onde foi criada uma imagem para os trabalhadores que eles teriam uma vida muito melhor na região da extração da borracha.

Os trabalhadores da borracha que foram levados para a floresta amazônica com um único objetivo, a extração da borracha por um tempo determinado, a Segunda Guerra Mundial, acabaram ficando mais tempo que o imaginado, depois da Guerra, e acabaram percebendo que tudo que tinha sido prometido a eles, acabou não se tornando realidade. O desenvolvimento da região que possibilitaria uma condição de vida melhor para esses trabalhadores acabou não acontecendo. Muitos desses soldados da borracha acabaram morrendo de ataques de animais e doenças causadas por falta de infraestrutura nas regiões onde trabalhavam e viviam.

Os que acabaram sobrevivendo ficaram muito tempo esquecidos pelo governo e não tiveram o reconhecimento necessário pelo seu esforço de guerra. A mudança começou a ocorrer em 1989, quando foi criada a Lei nº 7.986, de 28 de Dezembro de 1989, que dizia o seguinte no primeiro artigo: “É assegurado aos seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943, que tenham trabalhado durante a Segunda Guerra Mundial nos Seringais da Região Amazônica, amparados pelo Decreto-Lei nº9.882, de 16 de setembro de 1946, e que não possuam meios para a sua subsistência e da sua família, o pagamento de pensão mensal vitalícia correspondente ao valor de 2 (dois) salários-mínimos vigentes no País.”

Outro reconhecimento ocorreu nos últimos anos, quando foi criada uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), que ficou conhecida como a PEC dos Seringueiros, que previa um pagamento em forma de indenização para os trabalhadores ainda vivos, ou familiares daqueles que já estiverem mortos, em um valor de 25 mil reais.

Os defensores dos Soldados da Borracha desejavam que esses trabalhadores ganhassem um salário equiparado aos soldados brasileiros que foram lutar na Segunda Guerra Mundial, mas não obtiveram sucesso nesse pedido. Outra medida tomada por aqueles que defendem os Soldados da Borracha, foi à solicitação de uma apuração por parte da Organização das Nações Unidas (ONU), de uma possível violação aos direitos humanos em relação aos acontecimentos, mas que não teve nenhum resultado até hoje.

Em relação aos Soldados da Borracha não se deve questionar quem foi mais importante para o Brasil, os pracinhas ou os trabalhadores na Amazônia, mas acima de tudo deve haver um reconhecimento e uma valorização desses trabalhadores que por muito tempo foram esquecidos pelo governo, e pouco conhecidos pela população e a história, que pouco propagou a figura dessas pessoas.

Rafael Requena

Autor Rafael Requena

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