Missões
Em março de 1945, os artilheiros soviéticos que defendiam as cabeças-de-ponte no rio Oder não acreditavam no que os seus olhos viam, Ao longe avistava-se um avião com uma estranha silhueta. O “objeto” mergulhou com grande velocidade e, depois, pareceu dividir-se em dois. A parte menor virou, afastando-se bruscamente, enquanto a maior continuava a aproximar-se. Os russos não sabiam, mas estavam sendo atacados pela maior bomba desenvolvida na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial: uma bomba voadora com características muito particulares, como recorda um dos pilotos daquele tempo: “Mergulhamos num vertiginoso vôo picado, para ganhar velocidade e atingir os 600 km/h. O Oberfeldwebel (primeiro-sargento) que comandava a formação, começou a sua aproximação final, apontando para as pontes no Sul. Pouco tempo depois, picou ainda mais, e eu o segui. Tive de fazer um esforço para manter o objetivo, uma ponte ferroviária em Steinau, no centro da minha mira”.
Voar com os nervos
“Esta era a fase mais importante da missão. Era preciso manter firmemente o avião no rumo para a aproximação final. O menor desvio influenciaria os delicados giroscópios do piloto automático que controlava a enorme bomba voadora que estava debaixo do meu caça. Era uma experiência que chamamos “voar com os nervos”, especialmente quando se tratava de ataques sobre alvos bem defendidos. O ponto ideal para a largada era a cerca de mil metros do objetivo; a essa distância a bomba voadora dificilmente falharia o seu objetivo; mas a artilharia antiaérea inimiga também não falhava. O velocímetro indicava 650 km/h e o Mistel continuava o seu vôo picado. O piloto automático estava funcionando perfeitamente e o conjunto avião-bomba voadora podia voar sem interveção do piloto. Mas, onde estava a temida bateria antiaérea inimiga?
“Já podia distinguir claramente todos os pormenores da ponte: uma estrutura de vigas de ferro apoiada sobre sólidos pilares de alvenaria. Para ter certeza de que seria destruída, mesmo tendo uma ogiva de 3 toneladas, o Mistel devia acertar em cheio um dos pilares, o que requeria uma precisão milimétrica e uma boa dose de sorte.
“Podia ver uma seção de ponte centrada na minha mira. Uma pequena correção e o retângulo luminoso coincidia perfeitamente com um dos pilares da ponte. Vamos lá! Uma ligeira pressão sobre o botão de lançamento foi seguida pelo som abafado das cavilhas explosivas, e de repente o meu BF 109 estava livre. Uma brusca guinada para oeste e começo a retirada.
Destruidor de pontes
“Um aluvião enorme foi cuspido para o céu. Devido à grande nuvem de fumaça que cobria a ponte, mas agora tinha outras coisas em que pensar. Passada a surpresa, os artilheiros soviéticos começaram a disparar a esmo. De repente, outro avião surge ao meu lado; após um instante de terror, reconheço o BF 109 que estava sobre o Mistel que encabeçava o ataque, o medo deu lugar a um enorme alívio. Ambos levantamos os polegares em sinal de satisfação. Nenhum problema! Não sabíamos bem onde estávamos, mas sabíamos bem onde estávamos, mas não sendo “marinheiros de primeira viagem”, não seria um problema descobrir e reconhecer uma estrada de ferro, um povoado ou uma estrada para nos orientarmos em plena luz do dia. Além disso, tínhamos completado com sucesso a nossa primeira missão com o Mistel!”
A idéia de um avião montado sobre o dorso de outro não era nova. Os ingleses haviam feito o mesmo com um hidroavião Short Mayo, originalmente projetado para o serviço postal transatlântico.
A aplicação da Luftwaffe era ligeiramente diferente. Durante grande parte da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha não teve um bombardeiro pesado de longo alcance. No entanto, um dos objetivos que o Oberkommando der Wehrmacht (Comando Supremo Alemão) queria atingir, a base naval inglesa em Scapa Flow, nas Ilhas órcadas ao norte da Escócia, requeria uma enorme quantidade de bombas e de autonomia. O Mistel parecia a resposta adequada. A teoria era simples: um bombardeiro bimotor, não pilotado, seria repleto de explosivos e conduzido até o alvo por um avião menor, montado sobre o dorso. As primeiras experiências começaram em 1942.
A combinação definitiva
Em 1943 encontrou-se a combinação perfeita, associando-se o velho bombardeiro Junkers Ju 88 a um caça FW 190 ou a um BF 109. O piloto do caça pilotava o conjunto utilizando os motores do bombardeiro até o momento da separação.
Assim, ambos os componentes aumentavam o seu raio de ação, o bombardeiro por que não tinha de voltar, e o caça por que não gastava combustível no vôo de ida. Como bombas voadoras, os Ju 88 eram impressionantes: eram reconstruídos para transportar uma carga oca de 3,8 tonelada, com um detonador muito sofisticado. Durante os testes, a carga tinha perfurado sem dificuldade, até 8 m de aço e 20 m de cimento armado reforçado.
Os primeiros Mistel entraram em serviço numa unidade especial da luftwaffe, a KG 200, em maio de 1944. No entanto, o ataque a Scapa Flow teve de ser abandonado quando o desembarque na Normandia criou objetivos novos e mais urgentes. Foram realizadas algumas missões relativamente bem sucedidas contra os cais flutuantes dos portos aliados, ao longo das praias de desembarque.
Os Mistel só voltaram a ser utilizados em 1945, quando a situação da Alemanha ficou desesperadora. Foi então planejado um ataque estratégico contra usinas elétricas nos arredores de Moscou, que foi posteriormente abandonado, e os Mistel foram utilizados no vão esforço de bloquear o avanço do Exército Vermelho, destruindo pontes. Durante algumas semanas, parece que os Mistel estavam fazendo milagres, mas o sucesso era ilusório. O inimigo soviético já ganhava territórios impulsionados pelo êxtase da vitória e resistência em Stalingrado, sem contar o fator psicológico dos alemães ao terem de combater em 3 frentes na Europa continental.
Caderno de Missões
Foram reunidos na Dinamarca quase 60 Mistel 1 operacionais, para atacarem a frota britânica em Scapa Flow.
Os britânicos estavam em Scapa Flow já prontos caso o Tirpitz fizesse uma tentativa de escapar e interferir com a navegação aliada. O naufrágio do Tirpitz pelos bombardeiros da RAF (Lancasters) fez com que a Marinha Real não precisasse sentar e esperar em Scapa Flow. Os Mistels foram então levados para o leste para remover as barragens hidrelétricas russas que forneciam eletricidade para fábricas essenciais ao esforço de guerra russo. A linha de frente moveu-se para o oeste e as bases Mistel não estavam mais ao alcance de seus alvos designados. Finalmente, os Mistels foram encarregados de destruir as pontes sobre no leste da Alemanha.
Desenvolvimento do Mistel
Nos primeiros vôos do Mistel, em 1942, usou-se um avião ligeiro de ligação montado no dorso de um planador DFS 230 Lastensegler rebocado por um Ju 52 de transporte. Os testes levaram ao protótipo do Mistel 1: uma combinação de caça e bombardeiro.
A combinação BF 109/Ju 88 foi a primeira a entrar em serviço. Pouco depois do desembarque na Normandia, em junho de 1944, os Mistel 1 baseados na França realizaram ataques contra a navegação aliada na baía do Sena (foto abaixo à esquerda). Depois dos ataques sobre o Sena, 75 caças noturnos Ju 88G foram transportados em Mistel 2 com um caça FW 190A-8 como avião de comando (abaixo à direita)
A falta de Ju-88-1 levou ao Mistel S.3A (abaixo) A combinação de JU 88A-6/Fw 190 causou problemas, pois os aviões usavam combustíveis diferentes. Devido à sua baixa autonomia, esses aviões eram utilizados para treinamento.
Os novos caças Ju 88 Zerstörer foram usados como componente inferior do Mistel. O modelo final foi a Führungsmaschine (máquina guia ou máquina de comando), que acoplava um caça Fw 190A-8 a um Ju 88H-4. Esse binômio deveria ter funcionado como avião de guia e exploração de grance alcance.
Fonte literária: Revista Asas de Guerra – Editora Planeta