Preservados por mais de um século, geleiras dos Alpes Italianos derretem lentamente e revelam os horrores da Grande Guerra.
Tropas Italianas nas Trincheiras. Capitão Berni à direita. Foto tirada do livro “Il Capitano Sepolto nei Ghiacci” (O Capitão Sepultado no Gelo)
“Saudações do Passo de Cercena: Aqui chove muito e a neve cobre os picos mais altos. Nós rezamos por paz, mas o mau tempo, a altitude... Trarão a paz apenas com nossa morte.”
— 28 de Maio de 1916.Retirado do diário de um soldado Italiano combatendo na região do Trentino.
A primeira guerra fria foi travada durante a Primeira Guerra.
Tropas Austro-Húngaras se enfrentaram em altitudes de até 3.600 metros em temperaturas congelantes de até -30º C na chamada “Guerra Bianca”, ou Guerra Branca, batizada assim devido ao seu cenário invernal. Nunca antes estas batalhas haviam sido travadas em tais condições meterológicas, em picos tão elevados levando soldados ao máximo de sua resistência.
Este derretimento intenso começou em meados de 2004, quando alguns soldados italianos revelaram-se da imensidão branca. Em quase todo verão, o derretimento do gelo trouxe à tona uma grande quantidade de corpos — mais de 80 até agora.
E agora, um século depois, o aquecimento global fez o passado ressurgir trazendo consigo suas relíquias e corpos de suas tumbas nas profundezas geladas.
A Itália entrou na guerra à partir de 23 de Maio de 1915, do lado dos Aliados. Seu objetivo, cercado por um fervor nacionalista, era anexar várias regiões — particularmente aquelas também já habitadas por italianos — controladas pelo Império Austro-Húngaro.
Em Peio, no Alto-Trentino, norte da Itália, a sensação é de que a guerra nunca chegou ao fim. Mas de certa forma não acabou mesmo, graças ao gelo e sua capacidade de preservação. Peio já foi o vilarejo mais alto do Império Austro-Húngaro e tinha um assento reservado para um pouco conhecido, mas importante acontecimento histórico durante a Grande Guerra.
Soldados lutaram e pereceram ao longo de toda a fronteira, do Trentino ao Adriático, durante os três anos seguintes. A chamada Guerra Branca talvez tenha sido o fato mais memorável naquela região entre 1915-18, com uma série de impossíveis — e alguns inúteis — ataques relâmpago, incursões, feitos atléticos, e milagres da engenharia militar.
Combatendo em condições brutais, italianos e austro-húngaros em cumes de altitude similar, abriram estradas, cavaram túneis, construíram teleféricos, passaram quilômetros de linhas telefônicas, e transportaram toneladas de material à grandes altitudes para prover suporte e condições de combate, mas também para as necessidades diárias de milhares de soldados que passavam o ano todo em altitudes onde apenas pastores, caçadores de cervos selvagens, e alpinistas se atreveram a desbravar. Como boa parte da linha de frente entre a fronteira da Itália com o Império Austro-Húngaro localizava-se em locais pouco mais de 2.000 metros de altitude, novos tipos de estratégias militares tiveram de ser desenvolvidas. Os italianos já possuíam suas tropas especialistas em montanha – os soldados Alpini com seus famosos chapéus de penacho – mas os Austro-Húngaros precisaram criar algo equivalente – os Kaiserschützen.
Apesar da guerra em si ter sido desastrosa, os efeitos das armas e chuva de artilharia durante sobre os soldados da Guerra Branca não eram nada se comparados à força da natureza. Para ambos os lados, o pior inimigo era o clima, que levou à morte mais homens do que o próprio combate. A tais altitudes, a temperatura podia cair para 30º Celcius, e a “morte branca” — morte por avalanche — levou milhares de vidas. Atualmente, muitos soldados são encontrados despontando de cabeça para baixo em geleiras em processo de derretimento, indicando que uma avalanche tenha possivelmente os varrido do cume para a encosta das montanhas.
Mapa da linha de frente alpina na região do Trentino-Alto Adige entre 1915 e 1918
Pequenas vilas compostas por abrigos simples foram construídas, embora os oficiais sempre permanecessem em velhos abrigos de montanha, alguns até tinham pianos e gramofones em seu interior. Em Marmolada, a maior montanha na cadeia das Dolomitas, o Corpo de Engenheiros das Forças Armadas Austríacas construíram uma “cidade de gelo” — um completo de túneis, dormitórios, e estoques entalhados nas entranhas dos glaciares.
“Em arquivos da época, e em diários de guerra—sejam eles austríacos ou italianos— encontramos histórias sobre as grandes dificuldades causadas pela falta de sono, as tormentas, e as avalanches,” diz Stegano Morosini, um pesquisador da Universidade de Milão e autor de um livro sobre a história do alpinismo italiano.
“O inimigo ficou em segundo plano. De fato, o verdadeiro adversário era a própria natureza.”
Soldados Austro-Húngaros marcham sobre a neve dos Alpes
(FOTO: MUSEO STORICO ITALIANO DELLA GUERRA DI ROVERETO)
Marco Balbi, fundador e presidente da Sociedade Histórica da Guerra Branca, diz que apenas um-terço dos 150.000 homens que morreram nas linhas de frente alpinas foram vítimas de batalhas. O restante foi varrido por avalanches, deslizamentos, gangrena, e doenças causadas pelo frio extremo.
A luta nas linhas de frente
“Cavento! Como a Torre de Babel surgindo das profundezas geladas. Ao seu redor queima o fogo selvagem de um inimigo cheio de orgulho. Ao alto você desponta, Corno di Cavento, como um grito de guerra à covardia!”
Diário de guerra do Tenente Felix Hecht von Eleda3 de abril de 1917
A maior parte dos combates mais críticos aconteceram sobre os 3.370 metros de altitude do Corno di Cavento. As encostas da face Leste da montanha elevavam-se ao longo da geleira Vedretta di lares. A Oeste, sua face aponta e se estende direto para dentro do vale.
Após a primeira ofensiva dos Soldados Alpini—a divisão de montanha do exército italiano—em abril de 1916, Corno de Cavento tornou-se a linha de frente da defesa austríaca.
Em fevereiro de 1917, o Tenente Kaiserjäger Felix Hecht von Eleda, um soldado fervoroso de 23 anos nascido em Vienna, assumiu o comando da guarnição. Seu objetivo era reforçar as defesas e direcionar a artilharia pesada. De acordo com suas ordens, “cavadores” do Corpo de Engenheiros de Combate das Forças Austro-Húngaras, auxiliados por prisioneiros Russos, removeram rochas utilizando explosivos e cavaram um túnel que os levaria direto ao cume da montanha.
Fotografia de época de um Posto Avançado Adamello, mostrando a geografia traiçoeira da guerra em grande altitude.
(FOTO: MUSEO STORICO ITALIANO DELLA GUERRA DI ROVERETO)
O trabalho era simplesmente dilacerante: A neve era capaz de destruir semanas de trabalho, os prisioneiros russos escapavam, e muitos soldados austro-húngaros despencavam exaustos pelo frio ou muitas vezes se feriam com minas antipessoal. Com temperaturas beirando zero, missões utilizando patrulhas de reconhecimento noturno eram ambas uma aventura e também uma grande tortura.
Adicionado a tensão estava a antecipação do combate com os “Tigres,” a forma com que os austro-húngaros chamavam os soldados Alpini. Hecht escreve em seu diário que a artilharia inimiga o amedrontava, ele as vezes conseguia avistar seus uniformes brancos contra a neve.
Em 15 de junho de 1917, aproximadamente 1.500 Alpini atacaram Corno di Cavento de três lados diferentes, desalojando a maioria da guarnição de Hecht. O tenente foi morto ao sair da segurança de sua trincheira para tentar persuadir seus soldados a não fugirem.
Um dos assassinos—O capitão italiano Fabrizio Battanta, conhecido como “O Bandido de Cavento”—encontrou o diário de Hecht e o levou consigo. (No qual foi mais tarde decifrado, traduzido e publicado. Atualmente, o original encontra-se em um museu em Spiazzo.) O corpo de Hecht, provavelmente jogado em uma fenda, nunca foi encontrado.
Soldados perfuram o gelo para instalar cargas explosivas e iniciar a tarefa árdua de cavar um túnel por debaixo das linhas inimigas.
(FOTO: MUSEO STORICO ITALIANO DELLA GUERRA DI ROVERETO)
Em junho de 1918 os austro-húngaros, emergindo de um túnel construído através do glaciar, tomaram de volta Corno di Cavento. Mas mais tarde naquele mesmo mês os italianos retornaram em grande número e o recapturaram. Desta vez para sempre, Corno di Cavento foi mantido a todo custo até o final da guerra. A última guarnição de Alpinis deixaram Corno di Cavento apenas algumas semanas após o Armistício de Villa Gusti, assinado em quatro de novembro, no qual possibilitou que milhares de soldados voltassem pra casa.
Este é um túnel descoberto em Punta Linke escondido por detrás de uma pequena e velha cabana de montanha, há quase 2.000 metros acima de uma pequena cidade montanhesa chamada Peio. Maurizio Vicenzi, um guia de montanha local encontrou esta caverna natural no gelo repleta de armamentos e objetos sobre sua superfície — capacetes de aço, capas de feno para sapatos, caixas de munição — e percebeu que havia uma estrutura por debaixo. Com amigos vindos da cidade de Peio, todos entusiastas da Grande Guerra, iniciaria-se então uma grande investigação na área. O time chegou ao local dois verões depois, e juntos escavaram por de trás da cabana — uma estação de teleféricos que servia como ponto logistico às tropas.
A cabana foi construída no pico rochoso de Punta Linke, e atrás dela saía um túnel que se estendia por 30 metros adiante. Quando o grupo encontrou o túnel, que tinha a altura de um homem, ele encontrava-se repleto de gelo que foi retirado por eles com a ajuda de ventiladores de ar quente gigantes. Durante a guerra, caixas de madeira eram trazidas para cima usando o teleférico e puxadas através do túnel pelo sistema de cabos antes de serem lançadas à seu destino — impressionantes 1.200 metros de queda — usando uma tirolesa que esticava-se ao longo do glaciar até as linhas de frente. Ao lado da saída do túnel havia uma janela de onde o responsável pelo teleférico podia acompanhar o trajeto destas caixas até seu ponto de entrega.
Túnel construído por austríacos em Punta Linke. Esta sessão subterrânea conectava dois sistemas de teleférico entre os cumes de duas montanhas.
No interior da cabana existe um motor movido a querosene (Motor Sendling Alemão), fabricado em Munique, desmontado pelos austríacos após o término do conflito, e agora, restaurado. Os arqueólogos conservaram em seu local de origem três documentos pregados à uma parede: instruções escritas a mão sobre como operar o motor, uma página de um jornal ilustrado, o Wiener Bilder, mostrando Vieneses formando filas para comprar comida em 1916, o ano em que houve uma certa escassez de alimentos no já aleijado Império Austro-Húngaro e um cartão postal endereçado a um cirurgião membro do corpo de engenheiros, Georg Kristof, de sua esposa que vivia na Boêmia. O cartão mostra uma mulher dormindo e estava assinado, em tcheco, “Sua amante abandonada”.
Documentos pregados à parede por soldados austro-húngaros na estação de teleféricos em Punta Linke.
(FOTO: LAURA SPINNEY)
História Saqueada
Após a partida das tropas, os glaciares ficaram desertos novamente. As únicas pessoas que aventuraram-se eram “saqueadores” — pessoas que subiam as montanhas para coletar materiais remanescentes da guerra, na grande maioria metal, para vender em busca alguns trocados. Um dos itens mais procurados era o cobre, latão e chumbo dentro de grandes e não detonadas bombas.
“Trouxemos conosco um martelo com o objetivo de romper a bomba em um ponto específico de uma maneira em que a carcaça se desprendesse,” disse o nonagenário Giacinto Capelli, um dos últimos saquadores, meses antes de morrer. “Se errássemos, a pólvora estocada dentro da bomba explodiria em nossas caras. Era um trabalho muito árduo. Voltamos da montanha cada um carregando algo em torno de 70kg nas nossas costas, pois, não havia trabalho no vilarejo, e saqueadores ganhavam uma boa quantidade de dinheiro. A primeira vez que voltei para casa com 320 liras, meu pai pulou de alegria, chorando, “Agora podemos comer polenta o ano todo!”
Carcaça de granada usada como luminária pendura-se dentro da longa galeria dentro do Corno di Cavento. Os austríacos cavaram um posto militar na rocha; os italianos o capturaram duas vezes. E a caverna agora é aberta a visitantes.
(FOTO: STEFANO TORRIONE, NATIONAL GEOGRAPHIC-ITALIA)
Rifle austríaco Mannlicher–Schönauer encontrado durante o derretimento dos glaciares.
(FOTO: MUSEO DE LA GRANDE GUERRA, PEIO)
Os artefatos encontrados por saqueadores da Guerra Branca como Capelli, foram responsáveis pelo preenchimento de vários pequenos museus locais. E a memória da guerra continua sendo um grande motivador para os trilheiros e historiadores que chegam na região para caminharem nos mesmos passos de soldados que ali estiveram 100 anos antes. Por sorte, Corno di Cavento possui vestígios quase perfeitos de trincheiras de comunicação, abrigos, cercas de arame farpado e canhões.
E graças ao aquecimento global, relíquias da guerra continuam a emergir das profundezas geladas dos Alpes Italianos. O glaciar move-se, recuando à medida em que derrete. Quinze anos atrás, alpinistas que aventuravam-se em Corno di Cavento descobriram que as posições austro-húngaras podiam ser visitadas outra vez.
“Sabíamos que estavam lá, podíamos vê-las,” diz Marco Gramola da Sociedade de Alpinistas Trentinos (SAT), o clube alpino do trentino. “Estamos restaurando os postos austríacos desde a virada do século. Em 2005, nós trouxemos 80 pessoas aos cumes como parte de um grande protesto, atraindo a atenção do governo para intervir na área. A memória da Guerra Branca corria perigo de ser perdida tanto pela negligência quanto pelas mãos de saqueadores e leiloeiros da internet.”
Soldados italianos emergem do cume de um glaciar devido às condições climáticas adversas dos últimos anos
(FOTO: ESCRITÓRIO DE ARQUEOLOGIA DA PROVÍNCIA DE TRENTO)
(FOTO: ESCRITÓRIO DE ARQUEOLOGIA DA PROVÍNCIA DE TRENTO)
Levamos quatro verões, de 2007 até 2010, para reabrir a galeria, graças aos esforços em conjunto de voluntários do SAT e agência do governo local.
Após funcionários destas organizações escavarem um túnel no gelo, eles usaram um grande holofote que produzia uma enorme quantidade de calor para iluminar e derreter o gelo restante no local—62 metros de comprimento, 5 metros de largura e 3 metros de altura, o que fazia do túnel um local grande o suficiente para abrigar 40 soldados—revelando o que havia ali, cogelado por 100 anos. Camas feitas com capim, um estoque, uma central telefônica, uma pequena sala para o comandante com uma mesa, e até mesmo uma pilha de madeira para aquecer o local—tudo ainda estava lá da mesma maneira em que foram deixados.
“Era como entrar numa enorme geladeira descongelada,” diz Gramola. “No chão ainda podia-se ver restos de comida, cotonetes sujos, bandagens, e uma enorme quantidade de relíquias—não apenas munição, capacetes e equipamentos militares, mas pertences dos soldados também.”
Havia também um saco para roupas sujas, um baralho, um kit de costura e um pequeno espelho com a foto de uma mulher.
Tropas italianas aglomeram-se ao redor de um refúgio de montanha. Durante a Primeira Guerra, pela primeira vez na história, o homem traria tecnologia moderna montanha acima, construíndo ruas, teleféricos, linhas elétricas e telefônicas, e alojamentos para milhares de soldados. A grande maioria destes equipamentos era trazida para cima manualmente.
(FOTO: MUSEO STORICO ITALIANO DELLA GUERRA DI ROVERETO)
“Catalogamos e fotografamos cada item,” diz Gramola, “exatamente como uma escavação arqueológica. Por algum tempo, os mantínhamos em um freezer emprestado a nós por um fabricante de sorvete localizado no vale para manter tudo intacto.”
O cheiro de história
Hoje o local pode ser visitado por pessoas que possuam preparo um certo preparo físico que os permita fazer a escalada da montanha. No verão de 2013 , o posto austro-húngaro em Punta Linke – uma estação de teleférico que está a 3.632 metros acima do nível do mar, no Monte Vioz – também foi aberta ao público.
Essa operação de recuperação está sendo coordenada por Franco Nicolis, diretor do Departamento de Patrimônio Arqueológico da Província de Trentino.
“A arqueologia não diz respeito apenas do mundo antigo”, diz Nicolis. “Há também o que gosto de chamar de ‘avô da arqueologia’ … [em que o objetivo é] reconstruir um espaço e a vida dos homens que ali viveram.
Memórias de guerra ainda continuam sendo descobertas na fronteira alpina, trazendo luz sobre a vida dos soldados de ambos os lados, incluindo uma máscara de gás, chapéu e óculos de geleira (à esquerda) e uma cruz feita de arame farpado (à direita).
FOTOGRAFIAS DE STEFANO TORRIONE, NATIONAL GEOGRAPHIC
“O que mais me impressionou em Punta Linke”, acrescenta, “foram os cheiros – de madeira, de papel de alcatrão usado para isolamento, de óleo de motor para o teleférico. O olfato é um sentido primitivo, um sentido quase animal que pode servir como uma máquina do tempo para nos transportar 100 anos de volta em um instante. “
Baixas de inverno
Corno di Cavento e Punta Linke são apenas algumas das centenas de locais que fizeram parte do aniversário da Primeira Guerra Mundial. À medida que o mundo continua a aquecer, mais e mais informações também poderão emergir.
“Nos 150 anos”, diz Christian Casarotto, um glaciologista do museu de ciências MUSE em Trento, “a geleira Adamello retrocedeu 2 quilômetros. Nos pontos de menor altitude, até 4 metros de espessura é perdida a cada ano. “
À esquerda: um espelho emoldurado mostra o retrato de uma mulher. À direita: uma lamparina a óleo.
FOTOGRAFIAS DE STEFANO TORRIONE, NATIONAL GEOGRAPHIC-ITALIA
O degelo está revelando mais do que artefatos. Cadáveres – soldados desconhecidos, vítimas de batalhas ou de disparos aleatórios, uma avalanche, um passo descuidado – estão sendo libertos de suas tumbas geladas. Isso inclui dois soldados austro-húngaros, provavelmente mortos por uma granada, cujos corpos foram descobertos em 2012 na geleira Presena.
Nicolis, que participou da recuperação daqueles restos mortais, diz que os soldados “estavam no fundo de uma fenda, atirados lá por soldados italianos, ou por seus próprios companheiros de farda, ou talvez por algum salvador. Mas não antes de suas botas e todos os outros pertences fossem levados.
“Um deles ainda tinha uma colher, no entanto, enrolada num trapo em volta de sua perna. Esta era uma prática comum: na guerra, os soldados nunca sabiam quando iriam comer, então eles carregavam suas colheres para todos os lugares, assim como sua escova de dentes.”
Os dois soldados, diz Daniel Gaudio, um antropólogo forense de Vicenza, “eram muito jovens – cerca de 18 anos”.
Gaudio examinou mais de 50 cadáveres da Guerra Branca. Mas “infelizmente”, diz ele, “sem uma chapa de identificação, é improvável que eles possam ser identificados. O DNA de um corpo conservado no gelo pode ser extraído com bastante facilidade, mas então deve ser comparado a um banco de dados de todo o população – que é claro não existe.
Abrigos improvisados feitas por soldados austro-húngaros ainda podem ser vistas em Caré Alto, na região de Adamello. Os soldados muitas vezes viviam o ano todo em condições terríveis – e precárias.
FOTOGRAFIAS DE STEFANO TORRIONE, NATIONAL GEOGRAPHIC-ITALIA
“No entanto”, acrescenta, “costumamos conseguir reconstruir uma espécie de micro-história do soldado: altura, idade e presença de patologias. Quase todos eles têm hérnia de disco ou outros sinais de estresse na coluna vertebral , [geralmente] encontrados hoje em pessoas com mais de 50 anos. Isso significa que eles realizavam trabalhos pesados, provavelmente como agricultores. E muitos deles tinham cáries e abcessos graves. Eles lutaram enquanto sofriam de dores que hoje consideraríamos insuportáveis. ”
Michele Gravino é editora da National Geographic Italia.
Fontes: National Geographic, The Telegraph, The Italian Tribune,